segunda-feira, maio 16, 2005

LENTO BAILADO

No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós.
Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento
fechado em alguns de seus milhares de edifícios; que
importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem
e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra
como dentro de um sonho?
...
Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação
boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já
tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele
tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a
um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se
parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez, que,
sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um
eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua
...
Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz,
nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o
amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse
outro: inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo
imperceptível, como um lento bailado.
[O Adeus - Rubem Braga]

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