terça-feira, junho 14, 2005

JÁ QUE ESSE BLOG ANDA AS MOSCAS


Fazem anos tive a idéia de reunir uma antologia
universal da mosca. Continuo querendo. Sem embargo,
logo me dei conta de se tratar uma empresa praticamente
infinita.A mosca invade todas as literaturas e, claro,
onde alguém põe o olho encontra a mosca. Não há verdadeiro
escritor que em uma oportunidade não lhe tenha dedicado
um poema, uma página, um parágrafo, uma linha; e se é
escritor e não o tenha feito, aconselho-te que siga o
meu exemplo e corras a fazê-lo. As moscas são Eumênides,
Erínias; são castigadoras. São as vingadoras de não sabemos
o quê; mas sabes que alguma vez te perseguiram e que te
perseguirão sempre. Elas vigiam. São as enviadas de
alguém inominável, boníssimo e maligno. Seguem-te.
Observam-te.
...
A mosca que pousou no seu nariz é descendente direta
da que pousou no de Cleópatra. Uma vez mais caí nas
alusões retóricas pré-fabricadas que todo mundo já fez
antes.A mosca quer que a envolva nesta atmosfera de reis,
papas e imperadores. Consegue. Domina-te. Não podes falar
dela sem sentir-se inclinado a grandeza. Oh, Melville,
terias que recorrer a todos os mares para instalar ao fim
essa grande baleia sobre teu escritório em Pittsfiel,
Massachusetts, sem reparar que o mal revoava desde muito
ao redor do teu sorvete de morango nas calorosas tardes de
tua infância, passados anos, sobre ti mesmo quando ao
crepúsculo te arrancava um que outro pelo da barba dourada
lendo Cervantes e polindo teu estilo; e não necessariamente
em aquela enormidade informe de ossos e esperma incapaz de
fazer mal nenhum a não ser a que interrompesse sua sesta,
como o louco Ahab. E Poe e seu corvo? Ridículo. Tu
olhas a mosca. Observa. Pensa.
[As Moscas - Augusto Monterroso]

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