segunda-feira, março 12, 2001

OS OBEDIENTES

"Já em constatar este fato, meu pé afundou dentro.
Fui obrigada a pensar em alguma coisa. Mesmo que
eu nada mais dissesse, e encerrasse a história com
esta constatação, já me teria comprometido com os
meus mais desconhecíveis pensamentos.
Já seria como se eu tivesse visto, risco negro sobre
fundo branco, um homem e uma mulher.
E nesse fundo branco meus olhos se fixariam já tendo
bastante o que ver, pois toda palavra tem sua sombra.
Esse homem e essa mulher começaram - sem nenhum
objetivo de ir longe demais, e não sabe levados por que
necessidade que as pessoas têm - começaram a
tentar viver mais intensamente.
À procura do destino que nos procede?
E ao qual o instinto quer nos levar? instinto?
... Não, não é verdade. Não era uma vida de sonho,
pois este jamais os orientara. Mas de irrealidade.
Embora houvesse momentos em que de repente, por
um motivo ou por outro, eles afundados na realidade.
....Nada mais havia a dizer. Faltava-lhe o peso de
um erro grave, que tantas vezes é o que abre por
acaso uma porta. Alguma vez tinham levado a sério
alguma coisa. Eles eram obdientes.
Também não por submissão: como num soneto, era a
obediência por amor à simetria.
A simetria lhes era a arte possível."

[ trecho de A Legião Estrangeira - Clarice Lispector ]
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