quarta-feira, julho 18, 2001

FIM DO CONTO
* Atendendo a milhares de pedidos femininos, ei-lo:

"Em verdade, a malha cobrindo as ancas, como uma saia improvisada,
trazia um tom de espontaneidade e desleixo em quem sempre foi tão
cuidadosa, mestra do terreno, quem sempre soube se colocar - e, mais
que isso, me pôr em meu lugar. Subitamente, a diva se humanizava,
ficava ao alcance de mãos profanas: era o momento de esticar o braço
e tocar o tecido, buscar a pele, ir ao encontro da companheira.
Inesperadamente, a matéria incorpórea da existência renunciava à
rarefação e adquiria a densidade de que os animais necessitam. De
alguma maneira, se fazia substância e realidade - não eram mais as
fantasmagorias que apenas eu percebia em um tom de voz ou um olhar,
elementos por definição impalpáveis. Não era mais um delirante
produto de minha cabeça: estava ali, para quem quisesse ver. Minhas
idéias e sentimentos confusos, aquilo que ainda não é palavra, o
prenúncio do verbo se fez carne. O céu se abriu e eu pude ver a
divindade face a face, eu enxerguei dentro do olho do demônio. Tudo
escureceu e eu percebi apenas aquele traje feminino, uma peça preta,
comum, igual a outras, encontradiça em qualquer loja do ramo. Um dia
o diabo dorme - e na minha frente estava a menina, com sua
indumentária básica. Delírio e medo. Esperança. Tudo concretizado
naquela camisa que despi procurando o corpo branco no qual habitei
com sofreguidão. Foi há muito tempo. Era a minha hora. Soou a
trombeta e eu me vi no centro da tormenta, o nervo de tudo que
vibra e palpita. Uma visão assim pode ser demais para uma vida.
Quantos morrem sem isso? Eu amarguei carência e completude e, dos
que desconhecem um mistério assim, posso dizer:esses são os felizes."
[Uma Senhora - do escritor que era padre]

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